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sábado, 16 de maio de 2009

Rascunho [3º volume]

Uma simples frecha de luz irrompia pelo ar escuro interior do espaço coberto pelo espesso manto de breu sem tréguas. O silêncio imperava num império sem sentido e duração temporal não coincidente com a esfera cronológica da espécie humana, apenas quebrado pela queda incessante de água. Num dos cantos pequenas gotícolas de água viajavam pelo interior da pedra fria para iniciarem um vôo mudo pela atmosfera interior até beijarem o chão. Uma queda cronológica, repetitiva, a mesma gotícola de líquido fresco junta com outras, formando uma orquestra ritmada. Um som agudo que marcava o passar dos segundos, o ritmo inexorável impossível de ser travado.
Um suspiro mais prolongado lançou o seu som acima do ruído ambiente. Os seus olhos abriram-se e fitaram o nada, espaço invisível onde a luz se escondia por detrás de uma espessa cortina negra. Tentou mexer os braços mas rapidamente se aperceberam da sua inamovibilidade, o som de correntes presas aos pulsos assinalou a sua presença. O olhar percorria o espaço confinado onde estava enclausurado, sentia-se suspenso no ar e com a barriga pesada. Da sua testa despontou uma gota de suor que iniciou a sua descida pela face até encontrar uma ferida aberta onde repousou. A sua cara deformou-se numa careta de dor e mais uma vez os seus músculos responderam, tentando-se libertar da prisão sem sucesso.
De repente os seus ouvidos captaram um som ruidoso de uma fechadura pesada a abrir-se lentamente. Com um forte e estridente ranger a pesada porta de ferro abriu-se introduzindo luminosidade dentro da escuridão. Num acto reflexo os seus olhos fecharam-se incapazes de aguentar com aquele impacto luminoso, apenas os seus ouvidos conseguiam acompanhar o fechar da porta com estrondo. Por momentos o silêncio voltou a reinar, apenas a sua respiração acelerada fazia-se ouvir. De repente o silêncio foi quebrado por dois passos que ecoaram, seguidos pelo iniciar de algo a ser arrastado. Era uma cadeira de madeira a ser puxada pelo espaço desconhecido, as suas pernas arrastavam-se lentamente pelo chão irregular de pedra negra. Ao mesmo tempo passos vagarosos ecoavam na pedra formando uma orquestra com as gotícolas de água. Dois sons agudos de mãos dadas numa sinfonia perfeita, um ritmo irrepreensível conduzido pela mão magistral do seu maestro de seu nome, medo. À medida que sentia a cadeira e os passos a aproximarem-se de si, a respiração tornava-se mais acelerada. O medo aflorava à sua pele, cada gotícola de suor não mais era do que meros panos de água fresca necessários para revitalizar o corpo para mais uma dose de sofrimento. Cada passo era uma passagem de uma faca afiada e fria rente ao seu espírito, cada nota musical perfeitamente combinada entre as gotas de água e aqueles pés tornavam-se um tormento para os seus ouvidos, um catalisador para a sua alma e corpo ferido.

2009-05-16
03h57

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