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terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Doc. 1

"Uma árvore lança a sua sombra perante uma relva suave e verdejante. Ele senta-se debaixo da sombra, um fresco imediato invade a sua alma acalmando-o. À medida que o tempo passava sentia-se cada vez mais envolvido num abraço calorento, entre dois braços de algo que o anichavam numa segurança que o tranquilizava. O tempo desenrolava-se e ele sentia-se cada vez melhor, uma névoa penetrava nos seus músculos entorpecendo-os, um veneno percorria as suas veias contaminando-o de algo que lhe provocava um sorriso infinito perdido no tempo e na memória que o criou, uma tortura que subia até ao cérebro tapando-lhe os olhos do que o rodeava e da falsidade da sombra que estava a dar-lhe guarida. Num dia a fachada caiu e a sombra revelou a sua verdadeira face, indigna do seu contemplar, da sua inspiração, incompreensivelmente distante e sem compreender o porquê de se ter abrigado nela. A culpa era dela, foi sempre dela por ter mostrado um lado que na verdade não era o seu verdadeiro, era algo mantido artificialmente. Ele saiu debaixo da sombra e voltou para o sol árido e mortífero que mata reminiscências que podem ficar adormecidas, um teste à resistência pessoal. E aí descobriu que a culpa não era só da sombra, era também dele.
Longos tempos ele sobreviveu debaixo do sol aterrador que tudo engole, que tudo derrete, que tudo apaga da memória mais duradoura. Algumas pequenas palmeiras ele encontrou pelo caminho, memórias fugazes que passaram tão rapidamente como aquela brisa que afaga os rostos na praia uma vez na vida. Aí ele permaneceu tempos breves tentando alimentar algo que não tinha meios para ser alimentado e se tinha, tudo se desvaneceu da mesma maneira leve como apareceu. Até que um dia reencontrou a primeira árvore e a primeira sombra.
Passado tanto tempo a árvore e a sombra pareciam-lhe diferentes à primeira vista. Estava mais alta, mais adulta com as suas folhas mais desenvolvidas e a sombra estava mais comprida, mais apelativa. Aproximou-se com cuidado para ver com mais atenção se os seus olhos não estavam mais uma vez a ser enganados. Observou com muita atenção, reparou em todos os poucos pormenores que podia reparar e na verdade espantou-se, estava mesmo mudada. A antiga árvore e a sua sombra tinham-se transformado de uma maneira que nunca tinha previsto. Sentou-se dentro da sombra desconfiado, sem dar parte de fraco à sombra. Mas à medida que o tempo passava algo o encantava mais do que da primeira vez, aquela mudança confundia-lhe a mente. E então sentiu que afinal não tinha perdido o encanto por aquela árvore e aquela sombra, ela estava adormecida dentro da sua memória à espera daquela mudança para que se reavivasse de novo. O tempo desenrolava-se debaixo daquela sombra e ele voltava a sentir uma espécie de névoa nos músculos, de veneno nas veias, de uma tortura cerebral. E quanto mais tempo decorria debaixo daquela sobmra mais necessitava dela, mais queria estar ali, mais desejava que o tempo parasse naquele momento e o congelasse.
Ao fundo, no horizonte, uma palmeira solitária, a palmeira que nunca devia ter sido descoberta, a sombra que nunca deveria ter sido experimentada, a excepção à regra de ouro que nunca deveria ter sido aberta, a palmeira solitária reaparecia teimosamente, a caixa de pandora adormecida reaberta, a tentação proibida que não podia correr o risco de cair, pertubando-o constantemente."

2008-10-29
02h02

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