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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Um livro inacabado... [pág.324]

Eleth permaneceu imóvel junto da sua cama e perto da mesa devastada pela fúria de Peroth. O seu olhar ficou fixo na porta recém fechada praticamente desaparecida por detrás da luminosidade quase inexistente, a noite estava a um passo de ter o reino absoluto. A sua respiração era lenta e pausada, a sua mente parecia parada sem capacidade de reacção e a sua boca estava ligeiramente aberta, de espanto. Eleth engoliu em seco e o seu olhar começou a movimentar-se pelo quarto. À sua frente estavam os destroços do último assomo de raiva do seu filho, uma mesa devastada, papéis atrás de papéis espalhados pelo chão, um espelho partido contra a sua cama, brincos e pulseiras feitas pela sua mãe durante a infância e que conservava com carinho também estava pelo chão, a caixa que as albergava estava aberta, violada por uma fúria incontrolável.
A sua mente recomeçou a trabalhar, a sua respiração começou a descontrolar-se e o seu espíriro iniciava o processo de assimilamento, de reacção perante a fuga inesperada. Um mau estar interior aumentava de intensidade, o coração abria mil feridas saradas por instantes à espera do golpe final, um despedaçar contínuo em bocados infinitos, um edifício inteiro que se desmoronava num simples pó que alastrava pelas suas veias, contaminando os seus músculos e chegando até à orla dos seus olhos. As pernas começaram a fraquejar, o seu olhar revia e revia a destruição à sua frente e Eleth deixou-se cair sobre os seus joelhos. A barragem de água acumulava-se mais e mais na fronteira dos seus olhos com a pele, a respiração tornava-se num soluçar e de repente as lágrimas começaram a jorrar. Eleth expressava finalmente, tranquilamente e isolada, o seu sofrimento interior, o resultado da tortura da pessoa que mais amava em toda a sua vida, um choro inevitável fruto do segredo que trazia desde o momento em que Peroth tinha nascido e que Sôphôz lhe tinha contado, com a mãe ao lado.
O seu choro era silencioso e calmo, o seu olhar estava embargada e fixo no mesmo sítio, no mesmo local do chão do quarto, a mesma peça de madeira escura onde estava um simples desenho, numa pequeníssima folha de papel, que Peroth lhe tinha feito no sexto aniversário e que a sua fúria lhe tinha revelado. Um desenho onde eles os dois apareciam, em simples linhas toscas de criança, com as mãos agarradas, as duas faces com um enorme sorriso e um "amo-te mãe" escrito por debaixo das duas figuras. Eleth nao aguentou mais e deixou-se arrastar até ficar deitada no chão, o choro era incontrolável, as feridas sangravam mais do que nunca. Sabia que era um sofrimento que tinha obrigatoriamente de passar, sabia que Peroth nunca iria compreender o porquê de ela lhe mentir, mas era uma via sacra da qual não podia fugir, era o seu destino e não o podia alterar. E então a sua mente lembrou-se do significado das últimas palavras do seu velho tutor.

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